sábado, 9 de agosto de 2008

História da vida de um Real.

João, Paulo e Jorge são grandes amigos além de sócios, e estavam a caminho de um evento musical em São Paulo. João dirigia seu bom carro, mas se perdeu no bairro residencial que circunda o estabelecimento onde pretendiam chegar.

Foram alguns quarteirões e algumas ruas com nomes semelhantes, e Jorge sugeriu que parassem para perguntar ao guarda de rua quanto à localidade destinada. Concordaram e encostaram em frente à guarita. De lá, na penumbra da viela, saiu um vigilante de uns sessenta anos. João friamente perguntou onde ficava a tal rua e ao ouvir a resposta, imediatamente arrancou adiante seu automóvel. Jorge então reclamou que faltou educação na abordagem de João, que reagiu à bronca e reconheceu que havia agido de maneira grosseira perante um senhor prestativo, trabalhador e merecedor de toda gentileza, etiqueta e respeito. Paulo pensou três segundos, e discordou com veemência, pois apontou aos dois amigões que o passeio era em São Paulo/SP. Paulo já havia sido abordado por uma espécie diferente de delinqüente.

Modernas guerras urbanas são palcos do inusitado, a ponto de inverterem o protocolo da boa educação e etiqueta tradicional européia. O 'por favor' e 'obrigado' se firmou desde antigamente como regra de conduta social e profissional, e faz parte da cultura e aprendizado lingüístico do brasileiro. Já na comédia da rotina metropolitana, a ironia prolifera um término a estes costumes, que tornam-se instintos de prudência e bom senso, ou até o que pode ser chamado de "etiqueta de guerrilha".

Está aí a maneira correta de se comportar em tais situações. A personagem responsável por tais novas posturas é o criminoso da 'lábia'. Esta categoria de bandido é antiga, mas hoje parece crescer, pois a prática padrão do ladrão está bem 'manjada' e oprimida. O atual alerta geral impede que estes crimes fluam com o teor explícito de uma ou duas décadas atrás. Mais do que nunca, cultivaram-se estratégias de ludibrio e manipulação das vítimas, e abordagens tomam forma de interação que aproveita uma sociabilidade e bondade do brasileiro, que sem perceber, permite o domínio situacional que abre caminho à infração criminal. Vide a moda de seqüestros fictícios pelo telefone. O perigo está na suscetibilidade do abordado.

Não há muita variação na aproximação destes delinqüentes, que normalmente se resume ao pedido de informação ou ajuda. Alguns bandidos se fingem de estrangeiros perdidos que pedem assistência. Outros experimentam um enredo ainda mais teatral, mas todos dependem de uma certa postura formal ou boa etiqueta, que convence o alvo quanto à identidade oposta ao estereótipo criminal.

"O bandido normal seria incapaz de apresentar boas maneiras e linguajar articulado."
Quando estabelece uma confiabilidade, o criminoso pesca fraquezas na vítima até encontrar o momento ideal para revelar e praticar seu real intuito.

Graças a esta nova espécie de crime, o simples ato de pedir informações em vias públicas virou razão para desconfiança. Ninguém faz questão de estabelecer amizades aleatórias por nossas metrópoles, mas é uma lástima que sejamos obrigados a adotar comportamento grosseiro como garantia de sinceridade, e por incrível que pareça, ajudar a manter paz individual e coletiva. Esta nova mentalidade é uma via de mão dupla. A ausência de formalidades educadas assegura o abordado, e também avisa o 'malandro' que as pessoas em questão conduzem-se atentas e irredutíveis. É a ironia que repete uma máxima: a vida real é mais complicada que a ficção.

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